
Untitled Story - Chapter 01 - Childhood (In portuguese)
So! I translated the first chapter so a few friends of mine could read the story too! You can find the original in english here: http://www.furaffinity.net/view/13166312/
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Foi durante a noite, no fim do outono e início do inverno que uma certa mãe urrava e sofria, dando a luz ao seu filho. Embora não se considerasse muito bonita, sabia que seus cabelos loiros e moderadamente longos, bem como seu corpo com curvas acentuadas causava inveja em muitas mulheres e cobiça em muitos homens. O seu nome era Kilina, uma dragão com corpo de características humanas, mas também de dragão, como escamas azul-clara e brancas na região ventral, bem como dois chifres retos e brancos que se projetavam para trás de sua cabeça. Seus olhos amarelados, quase dourados, estavam semicerrados e, quando não se fechavam completamente, permaneciam pousados na sua mão, que era segurada por seu marido.
Kilina estava completamente nua, e ambos encontravam dentro de sua casa, sob a luz apenas de uma vela que estava presa em um pires, apoiado sobre uma cômoda de madeira velha ao lado da cama, em estado semelhante. Travesseiros apoiavam a cabeça da fêmea contra a parede, e a cada urro de dor que ela dava, seu marido a incentivava com palavras adocicadas, dizendo que logo tudo aquilo acabaria.
O nome de seu marido era Thanos, que também era um dragão, mas que possuía olhos vermelho-sangue e escamas pretas que forravam o seu corpo. Um par de chifres característico de dragões se projetava para trás de sua cabeça, bem como dois pares que também se projetavam para trás, perto de sua mandíbula, podiam ser vistos. Ao contrário da esposa, ele vestia uma camiseta laranja surrada e amassada, que gostava de usar dentro de casa, e uma calça jeans bastante gasta.
O ambiente não era dos melhores, a janela batia a cada sopro de vento forte vindo do lado de fora, carregado de flocos de neve que se movimentavam loucamente, e a luz fornecida pela vela era fraca e trêmula, vez ou outra ameaçava se extinguir. Era quase impossível ver as ruas do lado de fora, por causa da tempestade de neve.
- E-eu não aguento mais, Thanos...!
- Calma, Kilina, vai dar tudo certo. - ele respondeu, segurando a mão de sua esposa com mais força - Você só precisa se concentrar e fazer força.
- Eu tô exausta! Já faz duas horas e nada... Dói demais! - exclamou, torcendo o lençol branco responsável por formar a cama e quase rasgando-o um pouco com suas garras brancas e curtas, em uma tentativa de conter a dor.
- Eu queria pedir desculpas - o homem disse, abaixando o olhar para o chão momentaneamente - Eu não tinha dinheiro pra pagar um hospital pra você, querida.
- T-tá tudo bem... São tempos difíceis... Agh!!
E depois desse último gemido, seguido por um suspiro, o casal podia ser oficialmente ser considerado pais. O choro de um indefeso bebê dragão podia ser ouvido.
- É um menino! E ele tem a minha cara! - Thanos exclamou, com um sorriso enorme no rosto, tão excitado que quase gritou.
- ...Pode me mostrar... Ele? - Kilina disse, com o olhar caído, tomada pela exustão.
- Claro! Olha só esse garotão! Ele tem os olhos igual os seus, também.
A dragão azulada fixou seu olhar em seu filho, que estava sendo segurado pelos braços de seu marido e ainda coberto levemente por sangue. O bebê parou de chorar imediatamente assim que foi pousado nos braços da mãe, e apenas a encarou com seus olhos arredondados e amarelos.
- Bem vindo ao mundo, filho. - Ela disse, dando um beijo carinhoso em sua testa. Ela levantou o olhar para o marido e disse, coberta por surpresa - Eu não sabia que os bebês nasciam sem chifres ou asas...
- Bem, faz até sentido, imagina isso dentro de você. Eh, não daria muito certo, né... Mas ei, eu li em uma revista sobre bebês e falava que isso vai crescer nas primeiras semanas de vida dele! É normal. - Ele interrompeu a fala, olhando para os flocos de neve dançando do lado de fora da casa e suspirou - Eu acabei de lembrar que ainda não entramos em acordo com o nome dele.
- Eu... Esqueci completamente disso. - Kilina deu um sorriso cansado - O que acha de John?
- Não! Esse nome tem em todo canto, melhor não. - Thanos se virou e começou a encara o bebê - Por que não Agreon? Ou Trineon? Ou-
- Fall.
-...Quê?!
- Fall, é outono! E ele nasceu no outono. Não acha que é legal esse nome pra ele? Até que combina! - Kilina acariciou a barriga escamada do bebê com um dos braços, suave e delicadamente. O bebê, por sua vez, mexia seus braços e pernas de modo desordenado ocasionalmente, tentando aprender como usá-los.
- Hum, e se trocarmos o primeiro L por um H? Fica Fahl, mais diferente, não acha? Ninguém vai perceber. E lembra mais um dragão, também.
- Eu gostei! - ela concordou, assentindo a cabeça lentamente - Puxa, estou tão feliz que tudo deu certo. Não precisa ficar chateado pelo hospital, tá, querido? Infelizmente é só pra quem tem muito dinheiro...
- É, eu sei... Mas isso só me faz pensar que eu tenho que trabalhar mais.
- Você já trabalha até demais. - ela afirmou, em tom repreensivo - Você mal dorme. Chega tarde e todo coberto daquele pó de carvão.
- Mas é por uma boa causa, não-
A fala do dragão foi interrompida pelo bebê, que começou a chorar. Tanto ele como a esposa ficaram um pouco apreensivos, mas a mãe logo deduziu que era fome
- Tá com fome, né pequenino? - Kilina permaneceu olhando o bebê - Thanos, pode pegar a mamadeira dele?
- Merda! - Ele exclamou, colocando ambas as mãos sobre a cabeça - Eu esqueci de fazer, me dá um minutinho - o dragão encerrou a frase, já praticamente fora do quarto. Um ou dois minutos depois, ele voltou com uma mamadeira pequena em suas mãos, cheia de leite morno - Desculpa a demora, eu fiz um pouco de sujeira lá na cozinha.
- Obrigada, querido. - disse, pegando a mamadeira e dando de mamar para o filhote. Fahl fechou os olhos, já bastante calmo e relaxado.
Thanos escorou suas costas no guarda roupa de madeira escura - um dos poucos móveis do quarto que estava em bom estado - e perguntou para Kilina como achava que Fahl seria quando crescesse. Ela respondeu com grande alegria que estava ansiosa para ver como seria.
- Tá tudo bem, Kilina. Ele não vai ser nem mais legal e nem mais bonito que eu, hehe.
- Como você é engraçadinho, seu bobo. Ele mal nasceu e você já fica zoando ele.
- Ah, eu não posso nem me divertir, mais? - Thanos sorriu, bastante alegre, dando uma risada breve.
- Sabe, querido... Eu tô morta de cansaço. Acho que vou seguir o exemplo do nosso pequenino aqui. - Ela abaixou o olhar para o bebê, que tinha tomado todo o conteúdo da mamadeira e agora dormia tranquilamente.
- É, eu posso imaginar. - o pai disse, já em tom menos brincalhão que antes - Vamos pôr o pequeno Fahl no berço e dormir... Ou até mesmo posso ficar com ele no braço. Sabe, dar uma cuidada dele.
- Tá tudo bem, querido. Esse momento tá sendo tão especial, tão mágico, que eu não quero perder um segundo... Dormir eu vou poder minha vida toda, não é?
- Bem, pra falar a verdade, eu também - Thanos sentou-se na cama e posicionou-se ao lado de sua esposa. Ele estendeu a mão até o criado-mudo ao lado da cama, abriu uma das gavetas e pegou papel e caneta - Sabe que dia é hoje, querida?
- Acho que é dia 30 de novembro. Por quê?
- Então é 30 de novembro, você nunca erra com datas. - Thanos anotou a data no papel - Mas não é nada, não, eu só queria anotar a hora e data de nascimento do nosso pequenino. Wow, isso me faz pensar que já estamos no ano 12. Faz 12 anos que a guerra acabou. Eu lembro que eu mal tinha 10 anos quando comentaram que tudo tinha finalmente acabado.
- É, a gente era criança e nem nos conhecíamos...
- Sabe, eu queria ter nascido antes da guerra mundial ter começado. Eu falava com meus avós e eles falavam que era tudo calmo, as coisas funcionavam e as pessoas trabalhavam "normalmente". Eu não sei nem o que eles consideram como "normalmente". Diziam que havia muitos carros na rua e a comida era boa, também. Eles são sortudos por terem tido uma vida tão fácil, não é? Eu mal consigo dinheiro pra colocar a comida na mesa trabalhando naquela mina de carvão escrota.
- Ah, não diga isso, coração. Sabe, nós temos um ao outro e agora esse filho maravilhoso. Só temos que acreditar em dias melhores. Vai tudo melhorar, acredita em mim. Afinal, se não tivermos esperanças, como as gerações futuras vão ter?
Thanos mostrou-se reflexivo com as palavras de sua esposa, e concordou com tudo que dissera. O casal decidiu que iria dormir, aproveitar enquanto o bebê estava dormindo, já que segundo algumas revistas antigas que conseguiram com vizinhos, aquilo era um momento raro.
O tempo foi passando e ambos os pais tiveram muitas dificuldades que vinham, desde colocar a comida na mesa até saber quando o bebê estava com fome ou só queria dormir em paz. Felizmente, o filhote aprendeu a falar cedo e com 3 anos de idade já conseguia pronunciar uma grande parte das palavras corretamente e comunicar o que sentia para os seus pais. Estava ficando cada vez mais parecido com o pai, e com cerca de 2 anos, já apresentava chifres bem crescidos, um par que brotava para trás de sua cabeça e outro par que saía perto de sua mandíbula, também para trás. Ele não sabia muito bem como fazia isso, mas conseguia fazer um par de asas vermelhas brotar de suas costas ocasionalmente. Enquanto não eram usadas, elas sumiam e não deixavam rastros em seu corpo. O brinquedo que mais gostava, por maior que fosse a ironia, era um pequeno trem de plástico, vermelho e azul, e que carregava carvão. As poucas vezes que o brinquedo tinha pilhas, tocava uma música alegre e repetitiva que atormentava os pais, mas deixava Fahl com um sorriso gigantesco no rosto. A criança carregava o brinquedo para todo lado que ia - para a cama, na hora de dormir, para a cozinha na hora do almoço e até mesmo para o mercado, quando acompanhava o pai.
Neste mesmo ano, Thanos conseguiu receber uma promoção e por consequência, um aumento salarial em seu emprego, e portanto, pôde pagar as contas da casa sem a dificuldade vista anteriormente, e ocasionalmente, até trazia um buquê de flores para sua esposa ou um brinquedo para o filho. Os preços nunca eram os melhores, mas ver a alegria do menino era impagável. A família nunca havia sido tão feliz, no entanto, Kilina se incomodava com a falta de amigos de seu filho. Ele não tinha contato com vizinhos e não gostava de conhecer estranhos, parecia até mesmo ser outra criança na frente de outros indivíduos. As escolas públicas haviam fechado tinha alguns anos com a crise, e embora Thanos estivesse ganhando um pouco mais, ainda era inviável pagar uma escola.
Durante um certo dia, enquanto Thanos estava fora, trabalhando, e Kilina estava preparando o almoço - um pão recheado com bastante carne, o prato preferido de Fahl - ela sentiu um cheiro estranho vindo da sala. Era alguma coisa queimando, um tecido talvez? Era realmente da casa dela? Sim, era! Ela confirmou a sua pergunta assim que virou a cabeça e viu uma cortina de fumaça pouco espessa e cinzenta vindo da sala de estar. Ela rapidamente desligou o fogo da panela e correu para a sala, tomada pelo pânico. A coisa mais estranha de todas é que ela ouvia a risada de Fahl. Foi então que seus olhos viram que ele estava apenas a alguns metros de distância de algumas chamas que começavam a se alastrar pelo tapete, gritando de alegria.
- Pelos deuses, Fahl! Como você fez isso?! Sai daí, você vai se queimar!
O garoto olhou para ela, um sorriso maior que o rosto. Ele fez uma careta e espirrou, algumas chamas saíram de suas narinas, sendo aquelas responsáveis por atingir o braço do sofá, começando um novo incêndio. Temendo que aquilo saísse de controle, com sua mente rápida, Kilina correu para a cozinha, encheu dois copos d'água e despejou-os sobre o fogo, levantando uma grande quantidade de vapor quente, junto de uma fumaça mais esbranquiçada. Ela repetiu o procedimento mais uma vez e o fogo se foi, deixando carbonizado o local em que o fogo atingira. Ela suspirou, ainda tensa, e olhou para o Fahl, que ria, mostrando seus pequenos dentes pontudos.
- Como você fez isso, filho?! É perigoso, sabia? Você pode se queimar grave! Como você aprendeu a fazer isso?!
- Eu não sei, mas foi engraçado! Quero espirrar de novo!
- N-não, não faz isso, filho. Mas você deve aprender a controlar o seu fogo, isso é verdade. Não quero que você queime a casa toda, afinal. Mas puxa, poucos dragões em nossa família conseguem mexer com alguma coisa...
- Você usa água, mamãe?
- Não, eu não sei tenho nenhum poder. E seu pai também não. Sabe, isso me preocupa, mas você é especial, filho. Isso é tão raro, você não tem o mínimo de idéia - ela encerrou a frase dando um abraço caloroso ao redor de seu corpo - Agora vai lavar a mão, o almoço tá quase pronto, okay?
- Ahhhh, mamãe... Mas é tão chato...
- Eu sei, filho, mas você precisa lavar as mãos pra não ficar doente, é importante antes de comer. Você precisa ser forte igual o... Como é o nome do seu super herói favorito, mesmo? - Ela indagou o filho, acariciando o seu cabelo curto e de coloração ciano escuro. Era grosso e tinha uma textura que lembrava uma crina de cavalo.
- Você tá falando do Superfur?
- É, dele mesmo! Bem, vai lá lavar a sua mão, pode ver TV enquanto isso, okay? E por favor, nada de fogo! Se acontecer de novo por acidente, chama a mamãe.
- Okay! Eu vou fazer isso! - o filho disse, se desprendendo do abraço da mãe e se direcionando para o banheiro da casa, alegre.
Kilina voltou para a cozinha e, com um sorriso no rosto, preparou o resto do almoço, pensando em como contaria aquela novidade para Thanos. Quando chegou a noite, a única coisa que ela ouviu foi:
- Fahl?! Cuspindo fogo?! HAH! Isso é demais! Só a minha mãe podia fazer isso, mais ninguém da família!
- Shhh, querido, ele tá dormindo, não vai querer acordar ele, né? Não sei o que deu nele que ele dormiu mais cedo, me pergunto se tem algo a ver com o fogo.
- Hum, talvez. Desculpa, eu me empolguei.
- Tudo bem, querido. Mas isso não é demais?! Eu fiquei tão feliz quando vi isso!
- A vida dele vai ser bem mais fácil, se ele souber usar isso direito. Eu fico feliz por ele. Eu só fico chateado que não consigo ensinar ele a controlar isso.
- Hey, isso não te faz de um pai pior. Você é o herói do Fahl, nunca percebeu?
- Eu faço o que posso por ele. Ele é realmente meu maior tesouro. Mas bem, Eu preciso realmente ir tomar um banho, hoje o trabalho foi difícil.
Kilina fez uma expressão levemente pervertida.
- Você se importa se eu for com você? Eu já tomei banho hoje, mas... Não me importaria de ir de novo!
- Isso seria ótimo! Pro chuveiro!
Exatamente cinco meses depois desse dia, Thanos contou para o seu filho que ele teria um irmão ou irmã, porque sua mãe estava grávida.
- Por isso a barriga da mamãe tá crescendo tanto?
- Sim, filho... É por isso mesmo. Seja um bom irmão pro seu irmão ou irmã, tá certo?
- Mas ele vai chorar o tempo todo, não é? Vai ser chato...
- Eu sei, filho, isso acontece. É o único jeito dos bebês falarem pra gente que querem alguma coisa.
- Humph... Tá, eu vou tentar, papai.
- Era isso que eu queria ouvir, Fahl. Dá uma mãozinha pra sua mãe quando ela precisar, okay? A gente tentou achar uma escola pra você esse ano de novo, mas não conseguimos, então é provável que você fique em casa de novo.
- Ah, que pena... - Fahl fitou o chão, desapontado. - Eu achei que iria pra escola...
- Nós estamos dando o nosso melhor, filho. - Thanos pousou a mão sobre um dos ombros da criança - A gente pode pelo menos te ensinar a ler e escrever aqui em casa, o que acha? Não é difícil, eu prometo.
- Eba! Aí vou finalmente conseguir ler os quadrinhos do Superfur!
Thanos disse que sim, assentindo com a cabeça para reforçar a resposta.
- Tá bom papai. Prometo que vou ser um bom irmão!
Os meses seguintes parecem voar depois dessa conversa que o pai e o filho tiveram, e quando todos se deram conta, Salos já havia nascido. Fahl aproximou-se da mãe repousando na cama, que segurava o pequeno bebê em seu colo.
- Ele é azul igual você, mamãe, mas mais escuro. E ele não tem chifres, que estranho. E por que o cabelo dele é branco?
Kilina riu um pouco e disse que não sabia do por que, e que tudo aquilo era completamente normal. - Eles são frágeis, não são?
- É... parece que ele vai quebrar só de eu encostar! E ele é muito pequeno.
- Sua mãe tá certíssima, filho. Você também. E é por isso que esse bebêzinho precisa tanto de nosso amor e carinho pra que ele cresça e fique igual você. Forte.
Salos olhou para o irmão mais velho, e permaneceu assim por bastante tempo. Tanto os pais como Fahl ficaram em silêncio quando isso aconteceu, e o evento fez o menino se perguntar se o seu irmão conseguia entender o que ele dizia, mas... Não, isso era idiotice. Impossível.
"Ele é tão calmo. - disse Kilina, cortando o silêncio - Eu acho que não vai dar trabalho. Nem chorou quando nasceu...
- O Fahl era bem mais barulhento, mesmo.
- Hey! Eu ouvi isso! - Fahl reclamou, bravo.
O irmão mais velho se aproximou do mais novo, e Salos novamente fitou-o por bastante tempo. Fahl disse baixinho.
- Eu... Salos, eu vou brincar de outra coisa agora. Mas depois a gente brinca, tá? - ele terminou a frase e se retirou do quarto rapidamente. Os pais se perguntaram o que ele iria fazer, mas logo ouviram a televisão ligando e vozes distorcidas típicas de personagens de desenho animado.
- Você acha que eles vão se dar bem? - Kilina perguntou para Thanos. Ele não sabia responder aquilo naquele momento, mas o tempo trouxe a resposta para eles.
Bem até demais. Fahl agora tinha 10 anos, e Salos, 5. Ambos corriam pela casa inteira, frequentemente brincavam gritando bastante e fazendo tanto barulho que vez ou outra enlouquecia os pais - mas que ao mesmo tempo, passava o sentimento de que estava tudo bem. Todavia, frases como "Quer fazer silêncio que os vizinhos vão reclamar?!" ou ainda, "Vocês precisam aprender a brincar fazendo menos barulho!" eram frequentemente ouvidas dos pais.
Uma noite, durante o jantar, Kilina havia feito batatas cozidas, bem como carne para acompanhar a refeição. Ela serviu as crianças e logo começou a comer, com o marido ao seu lado.
Thanos fitou Salos com os olhos e o reprimiu.
- Eu realmente espero que você não esteja planejando em transformar essa colher em uma catapulta que lança batatas, igual da última vez.
- Mas... Como você sabia?!
- Tá escrito nos seus olhos!
- Mas o irmão perdeu a aposta!
- Que aposta? - Thanos indagou, erguendo uma sobrancelha.
- Nós fizemos uma corrida pra ver quem corria mais rápido e ele perdeu! Ele disse que se perdesse, eu poderia fazer isso sem vocês ficarem bravos comigo.
Fahl enterrou a mão em seu rosto, cobrindo-o, completamente desapontado com a atitude do irmão.
- Sério, Salos? Não acredito que você acreditou nisso!! - Fahl encerrou a frase com uma risada.
- Fahl, pare de ser maldoso com seu irmão! - Kilina o reprimiu, batendo com uma colher em seu braço.
- Ai! Mas...-
- Sem mais! Você sabe que ele sempre acredita em você!
Fahl cruzou os braços e fez beicinho, fechando seus olhos por alguns intantes. Ele se desculpou para o irmão e ficou irritado quando viu que Salos estava sorrindo enquanto os pais não olhavam. Ele não era tão inocente quanto eles pensavam, na realidade, estava bem longe disso.
A família terminou o jantar e foi para a sala, satisfeita, depois que todos colocaram a louça sobre a pia. Thanos ligou a televisão com o controle remoto e colocou no canal de notícias, reclamando logo em seguida que já eram 9 horas da noite e que o domingo estava no fim. Kilina pediu silêncio, pois não conseguia entender o que o repórter estava dizendo.
- O que o cara do jornal tá falando, irmão?
- Eu não sei, Salos. Mas parece alguma coisa importante...
- Caralho! Isso é grave! - Thanos exclamou, pousando as mãos sobre sua cabeça.
- Shhhh! Vai assustar as crianças assim, Thanos.
Fahl olhou para a mão de seu irmão antes de segurá-la e... Ele esqueceu o que estava pensando anteriormente, depois de ver as cicatrizes brancas e horríveis que tinha. A pior parte é que ele sabia que era culpado por causar aquele estrago nas mãos de seu irmão. Sua mente foi lentamente sendo invadida pelas memórias daquele triste dia.
Tudo parecia meio opaco e embassado, mas tudo foi tomando forma aos poucos e tudo ficou tão claro e transparente como a água. Ele tinha 8 anos, e seu irmão, tinha acabado de completar 3. A família tinha se dirigido a um dos dois parques públicos da cidade, para realizar um pique-nique. Era verão e estava quente, o lugar tinha uma grama de tonalidade verde, tão verde que Fahl nunca tinha visto igual. A família inteira estava sentada sobre uma toalha branca, sob a sombra fresca de uma árvore, Thanos tirando de dentro de uma sacola sanduíches de manteiga de amendoim e algumas outras guloseimas que haviam preparado em casa.
Como não tinha muito o que fazer, Fahl levantou-se e tomou distância de sua família, ficando a mais ou menos 20 metros de distância. Ele praticaria como usar o seu fogo, embora sua mãe sempre falasse que não era bom fazer aquele tipo de coisa em lugares públicos. O garoto não ligava muito, ele sabia o que estava fazendo - ou pelo menos achava que sabia.
Depois de fazer algumas bolas de fogo do tamanho de tomates e jogá-las para longe, em direção a uma clareira e vê-las sumir no ar, uma idéia mirabolante passou por sua mente. Aquilo seria a coisa mais incrível e mais bonita de todas se ele fizesse do jeito certo, algo grandioso e único. Ele criou novamente duas bolas de fogo em ambas as mãos e ergueu os braços, com um sorriso confiante e quase arrogante. Ele começou a girar seu corpo lentamente, mas foi aumentando o ritmo, as chamas dançando em sua mão com o vento produzido pelo movimento. Quando atingiu a velocidade máxima que conseguiu, ele gritou:
- Lá vai!
E ele se abaixou, abrindo os braços em um ângulo de 90 graus, criando um anel de fogo que se expandia radialmente em relação ao seu corpo, rapidamente envolvendo o seu arredor. No entanto, assim que o anel de fogo foi criado, seus olhos pousaram em Salos, que estava no máximo a alguns passos de distância dele, maravilhado com os malabarismos do irmão mais velho. Seus olhos brilhavam de alegria. O anel de fogo foi avançando com velocidade para perto de seu rosto e ele, numa tentativa de conter o calor que começava a machucar, afastou o rosto e estendeu as mãos para frente, protegendo-o. As chamas consumiram as suas mãos, antes de desaparecerem. O irmão mais velho se ajoelhou, sentindo-se esmagado pelo sentimento de culpa.
- NÃÃÃÃO! SALOS! POR QUE FICOU AÍ?!
Tudo pareceu se mover em câmera lenta daí em diante, sua mente estava confusa e negava de qualquer modo aceitar que ele tinha feito aquilo. Seu irmão chorava muito, tomado pela dor, com as mãos em carne viva e sem nenhuma pele cobrindo seus músculos. Thanos falou algum palavrão e correu na direção dos dois, junto de Kilina, mas Fahl não ouviu, ou se ouviu, não absorveu o que havia sido dito. O que ele tinha feito? Por que isso teve de acontecer? Não era justo... Ainda mais com seu irmão...
As lágrimas que começaram a brotar nos olhos do dragão rapidamente rolaram para baixo de seu rosto, compartilhando do sentimento de seu irmão. Ele não podia fazer nada para ajudar, somente olhar seu irmão chorando e os pais correndo rapidamente para a toalha usada no pique-nique, empacotando tudo novamente em um ritmo frenético. Sua mãe havia dito que ele era especial, que eletinha um dom, mas aquilo não era um dom. Era uma maldição. Só servia para causar dor aos outros. Ele precisava impedir que isso acontecesse uma segunda vez, até mesmo se fosse necessário nunca mais usar seu talento novamente, ou melhor dizendo, sua maldição.
- Tá tudo bem, irmão? Você tá me olhando estranho...
Fahl recuperou seus sentidos, e percebeu que estava de volta na sala de estar novamente. Felizmente, ele não teria de viver esses momentos ruins novamente.
- Ah... Não é nada, Salos. Ver esse jornal tá meio chato, quer ir brincar no quarto? - ele encerrou a pergunta, fechando um dos olhos e mostrando a ponta de sua língua, esboçando um sorriso bobo.
Capítulo 1
FIM
Capítulo 2:http://www.furaffinity.net/view/15576062/
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Foi durante a noite, no fim do outono e início do inverno que uma certa mãe urrava e sofria, dando a luz ao seu filho. Embora não se considerasse muito bonita, sabia que seus cabelos loiros e moderadamente longos, bem como seu corpo com curvas acentuadas causava inveja em muitas mulheres e cobiça em muitos homens. O seu nome era Kilina, uma dragão com corpo de características humanas, mas também de dragão, como escamas azul-clara e brancas na região ventral, bem como dois chifres retos e brancos que se projetavam para trás de sua cabeça. Seus olhos amarelados, quase dourados, estavam semicerrados e, quando não se fechavam completamente, permaneciam pousados na sua mão, que era segurada por seu marido.
Kilina estava completamente nua, e ambos encontravam dentro de sua casa, sob a luz apenas de uma vela que estava presa em um pires, apoiado sobre uma cômoda de madeira velha ao lado da cama, em estado semelhante. Travesseiros apoiavam a cabeça da fêmea contra a parede, e a cada urro de dor que ela dava, seu marido a incentivava com palavras adocicadas, dizendo que logo tudo aquilo acabaria.
O nome de seu marido era Thanos, que também era um dragão, mas que possuía olhos vermelho-sangue e escamas pretas que forravam o seu corpo. Um par de chifres característico de dragões se projetava para trás de sua cabeça, bem como dois pares que também se projetavam para trás, perto de sua mandíbula, podiam ser vistos. Ao contrário da esposa, ele vestia uma camiseta laranja surrada e amassada, que gostava de usar dentro de casa, e uma calça jeans bastante gasta.
O ambiente não era dos melhores, a janela batia a cada sopro de vento forte vindo do lado de fora, carregado de flocos de neve que se movimentavam loucamente, e a luz fornecida pela vela era fraca e trêmula, vez ou outra ameaçava se extinguir. Era quase impossível ver as ruas do lado de fora, por causa da tempestade de neve.
- E-eu não aguento mais, Thanos...!
- Calma, Kilina, vai dar tudo certo. - ele respondeu, segurando a mão de sua esposa com mais força - Você só precisa se concentrar e fazer força.
- Eu tô exausta! Já faz duas horas e nada... Dói demais! - exclamou, torcendo o lençol branco responsável por formar a cama e quase rasgando-o um pouco com suas garras brancas e curtas, em uma tentativa de conter a dor.
- Eu queria pedir desculpas - o homem disse, abaixando o olhar para o chão momentaneamente - Eu não tinha dinheiro pra pagar um hospital pra você, querida.
- T-tá tudo bem... São tempos difíceis... Agh!!
E depois desse último gemido, seguido por um suspiro, o casal podia ser oficialmente ser considerado pais. O choro de um indefeso bebê dragão podia ser ouvido.
- É um menino! E ele tem a minha cara! - Thanos exclamou, com um sorriso enorme no rosto, tão excitado que quase gritou.
- ...Pode me mostrar... Ele? - Kilina disse, com o olhar caído, tomada pela exustão.
- Claro! Olha só esse garotão! Ele tem os olhos igual os seus, também.
A dragão azulada fixou seu olhar em seu filho, que estava sendo segurado pelos braços de seu marido e ainda coberto levemente por sangue. O bebê parou de chorar imediatamente assim que foi pousado nos braços da mãe, e apenas a encarou com seus olhos arredondados e amarelos.
- Bem vindo ao mundo, filho. - Ela disse, dando um beijo carinhoso em sua testa. Ela levantou o olhar para o marido e disse, coberta por surpresa - Eu não sabia que os bebês nasciam sem chifres ou asas...
- Bem, faz até sentido, imagina isso dentro de você. Eh, não daria muito certo, né... Mas ei, eu li em uma revista sobre bebês e falava que isso vai crescer nas primeiras semanas de vida dele! É normal. - Ele interrompeu a fala, olhando para os flocos de neve dançando do lado de fora da casa e suspirou - Eu acabei de lembrar que ainda não entramos em acordo com o nome dele.
- Eu... Esqueci completamente disso. - Kilina deu um sorriso cansado - O que acha de John?
- Não! Esse nome tem em todo canto, melhor não. - Thanos se virou e começou a encara o bebê - Por que não Agreon? Ou Trineon? Ou-
- Fall.
-...Quê?!
- Fall, é outono! E ele nasceu no outono. Não acha que é legal esse nome pra ele? Até que combina! - Kilina acariciou a barriga escamada do bebê com um dos braços, suave e delicadamente. O bebê, por sua vez, mexia seus braços e pernas de modo desordenado ocasionalmente, tentando aprender como usá-los.
- Hum, e se trocarmos o primeiro L por um H? Fica Fahl, mais diferente, não acha? Ninguém vai perceber. E lembra mais um dragão, também.
- Eu gostei! - ela concordou, assentindo a cabeça lentamente - Puxa, estou tão feliz que tudo deu certo. Não precisa ficar chateado pelo hospital, tá, querido? Infelizmente é só pra quem tem muito dinheiro...
- É, eu sei... Mas isso só me faz pensar que eu tenho que trabalhar mais.
- Você já trabalha até demais. - ela afirmou, em tom repreensivo - Você mal dorme. Chega tarde e todo coberto daquele pó de carvão.
- Mas é por uma boa causa, não-
A fala do dragão foi interrompida pelo bebê, que começou a chorar. Tanto ele como a esposa ficaram um pouco apreensivos, mas a mãe logo deduziu que era fome
- Tá com fome, né pequenino? - Kilina permaneceu olhando o bebê - Thanos, pode pegar a mamadeira dele?
- Merda! - Ele exclamou, colocando ambas as mãos sobre a cabeça - Eu esqueci de fazer, me dá um minutinho - o dragão encerrou a frase, já praticamente fora do quarto. Um ou dois minutos depois, ele voltou com uma mamadeira pequena em suas mãos, cheia de leite morno - Desculpa a demora, eu fiz um pouco de sujeira lá na cozinha.
- Obrigada, querido. - disse, pegando a mamadeira e dando de mamar para o filhote. Fahl fechou os olhos, já bastante calmo e relaxado.
Thanos escorou suas costas no guarda roupa de madeira escura - um dos poucos móveis do quarto que estava em bom estado - e perguntou para Kilina como achava que Fahl seria quando crescesse. Ela respondeu com grande alegria que estava ansiosa para ver como seria.
- Tá tudo bem, Kilina. Ele não vai ser nem mais legal e nem mais bonito que eu, hehe.
- Como você é engraçadinho, seu bobo. Ele mal nasceu e você já fica zoando ele.
- Ah, eu não posso nem me divertir, mais? - Thanos sorriu, bastante alegre, dando uma risada breve.
- Sabe, querido... Eu tô morta de cansaço. Acho que vou seguir o exemplo do nosso pequenino aqui. - Ela abaixou o olhar para o bebê, que tinha tomado todo o conteúdo da mamadeira e agora dormia tranquilamente.
- É, eu posso imaginar. - o pai disse, já em tom menos brincalhão que antes - Vamos pôr o pequeno Fahl no berço e dormir... Ou até mesmo posso ficar com ele no braço. Sabe, dar uma cuidada dele.
- Tá tudo bem, querido. Esse momento tá sendo tão especial, tão mágico, que eu não quero perder um segundo... Dormir eu vou poder minha vida toda, não é?
- Bem, pra falar a verdade, eu também - Thanos sentou-se na cama e posicionou-se ao lado de sua esposa. Ele estendeu a mão até o criado-mudo ao lado da cama, abriu uma das gavetas e pegou papel e caneta - Sabe que dia é hoje, querida?
- Acho que é dia 30 de novembro. Por quê?
- Então é 30 de novembro, você nunca erra com datas. - Thanos anotou a data no papel - Mas não é nada, não, eu só queria anotar a hora e data de nascimento do nosso pequenino. Wow, isso me faz pensar que já estamos no ano 12. Faz 12 anos que a guerra acabou. Eu lembro que eu mal tinha 10 anos quando comentaram que tudo tinha finalmente acabado.
- É, a gente era criança e nem nos conhecíamos...
- Sabe, eu queria ter nascido antes da guerra mundial ter começado. Eu falava com meus avós e eles falavam que era tudo calmo, as coisas funcionavam e as pessoas trabalhavam "normalmente". Eu não sei nem o que eles consideram como "normalmente". Diziam que havia muitos carros na rua e a comida era boa, também. Eles são sortudos por terem tido uma vida tão fácil, não é? Eu mal consigo dinheiro pra colocar a comida na mesa trabalhando naquela mina de carvão escrota.
- Ah, não diga isso, coração. Sabe, nós temos um ao outro e agora esse filho maravilhoso. Só temos que acreditar em dias melhores. Vai tudo melhorar, acredita em mim. Afinal, se não tivermos esperanças, como as gerações futuras vão ter?
Thanos mostrou-se reflexivo com as palavras de sua esposa, e concordou com tudo que dissera. O casal decidiu que iria dormir, aproveitar enquanto o bebê estava dormindo, já que segundo algumas revistas antigas que conseguiram com vizinhos, aquilo era um momento raro.
O tempo foi passando e ambos os pais tiveram muitas dificuldades que vinham, desde colocar a comida na mesa até saber quando o bebê estava com fome ou só queria dormir em paz. Felizmente, o filhote aprendeu a falar cedo e com 3 anos de idade já conseguia pronunciar uma grande parte das palavras corretamente e comunicar o que sentia para os seus pais. Estava ficando cada vez mais parecido com o pai, e com cerca de 2 anos, já apresentava chifres bem crescidos, um par que brotava para trás de sua cabeça e outro par que saía perto de sua mandíbula, também para trás. Ele não sabia muito bem como fazia isso, mas conseguia fazer um par de asas vermelhas brotar de suas costas ocasionalmente. Enquanto não eram usadas, elas sumiam e não deixavam rastros em seu corpo. O brinquedo que mais gostava, por maior que fosse a ironia, era um pequeno trem de plástico, vermelho e azul, e que carregava carvão. As poucas vezes que o brinquedo tinha pilhas, tocava uma música alegre e repetitiva que atormentava os pais, mas deixava Fahl com um sorriso gigantesco no rosto. A criança carregava o brinquedo para todo lado que ia - para a cama, na hora de dormir, para a cozinha na hora do almoço e até mesmo para o mercado, quando acompanhava o pai.
Neste mesmo ano, Thanos conseguiu receber uma promoção e por consequência, um aumento salarial em seu emprego, e portanto, pôde pagar as contas da casa sem a dificuldade vista anteriormente, e ocasionalmente, até trazia um buquê de flores para sua esposa ou um brinquedo para o filho. Os preços nunca eram os melhores, mas ver a alegria do menino era impagável. A família nunca havia sido tão feliz, no entanto, Kilina se incomodava com a falta de amigos de seu filho. Ele não tinha contato com vizinhos e não gostava de conhecer estranhos, parecia até mesmo ser outra criança na frente de outros indivíduos. As escolas públicas haviam fechado tinha alguns anos com a crise, e embora Thanos estivesse ganhando um pouco mais, ainda era inviável pagar uma escola.
Durante um certo dia, enquanto Thanos estava fora, trabalhando, e Kilina estava preparando o almoço - um pão recheado com bastante carne, o prato preferido de Fahl - ela sentiu um cheiro estranho vindo da sala. Era alguma coisa queimando, um tecido talvez? Era realmente da casa dela? Sim, era! Ela confirmou a sua pergunta assim que virou a cabeça e viu uma cortina de fumaça pouco espessa e cinzenta vindo da sala de estar. Ela rapidamente desligou o fogo da panela e correu para a sala, tomada pelo pânico. A coisa mais estranha de todas é que ela ouvia a risada de Fahl. Foi então que seus olhos viram que ele estava apenas a alguns metros de distância de algumas chamas que começavam a se alastrar pelo tapete, gritando de alegria.
- Pelos deuses, Fahl! Como você fez isso?! Sai daí, você vai se queimar!
O garoto olhou para ela, um sorriso maior que o rosto. Ele fez uma careta e espirrou, algumas chamas saíram de suas narinas, sendo aquelas responsáveis por atingir o braço do sofá, começando um novo incêndio. Temendo que aquilo saísse de controle, com sua mente rápida, Kilina correu para a cozinha, encheu dois copos d'água e despejou-os sobre o fogo, levantando uma grande quantidade de vapor quente, junto de uma fumaça mais esbranquiçada. Ela repetiu o procedimento mais uma vez e o fogo se foi, deixando carbonizado o local em que o fogo atingira. Ela suspirou, ainda tensa, e olhou para o Fahl, que ria, mostrando seus pequenos dentes pontudos.
- Como você fez isso, filho?! É perigoso, sabia? Você pode se queimar grave! Como você aprendeu a fazer isso?!
- Eu não sei, mas foi engraçado! Quero espirrar de novo!
- N-não, não faz isso, filho. Mas você deve aprender a controlar o seu fogo, isso é verdade. Não quero que você queime a casa toda, afinal. Mas puxa, poucos dragões em nossa família conseguem mexer com alguma coisa...
- Você usa água, mamãe?
- Não, eu não sei tenho nenhum poder. E seu pai também não. Sabe, isso me preocupa, mas você é especial, filho. Isso é tão raro, você não tem o mínimo de idéia - ela encerrou a frase dando um abraço caloroso ao redor de seu corpo - Agora vai lavar a mão, o almoço tá quase pronto, okay?
- Ahhhh, mamãe... Mas é tão chato...
- Eu sei, filho, mas você precisa lavar as mãos pra não ficar doente, é importante antes de comer. Você precisa ser forte igual o... Como é o nome do seu super herói favorito, mesmo? - Ela indagou o filho, acariciando o seu cabelo curto e de coloração ciano escuro. Era grosso e tinha uma textura que lembrava uma crina de cavalo.
- Você tá falando do Superfur?
- É, dele mesmo! Bem, vai lá lavar a sua mão, pode ver TV enquanto isso, okay? E por favor, nada de fogo! Se acontecer de novo por acidente, chama a mamãe.
- Okay! Eu vou fazer isso! - o filho disse, se desprendendo do abraço da mãe e se direcionando para o banheiro da casa, alegre.
Kilina voltou para a cozinha e, com um sorriso no rosto, preparou o resto do almoço, pensando em como contaria aquela novidade para Thanos. Quando chegou a noite, a única coisa que ela ouviu foi:
- Fahl?! Cuspindo fogo?! HAH! Isso é demais! Só a minha mãe podia fazer isso, mais ninguém da família!
- Shhh, querido, ele tá dormindo, não vai querer acordar ele, né? Não sei o que deu nele que ele dormiu mais cedo, me pergunto se tem algo a ver com o fogo.
- Hum, talvez. Desculpa, eu me empolguei.
- Tudo bem, querido. Mas isso não é demais?! Eu fiquei tão feliz quando vi isso!
- A vida dele vai ser bem mais fácil, se ele souber usar isso direito. Eu fico feliz por ele. Eu só fico chateado que não consigo ensinar ele a controlar isso.
- Hey, isso não te faz de um pai pior. Você é o herói do Fahl, nunca percebeu?
- Eu faço o que posso por ele. Ele é realmente meu maior tesouro. Mas bem, Eu preciso realmente ir tomar um banho, hoje o trabalho foi difícil.
Kilina fez uma expressão levemente pervertida.
- Você se importa se eu for com você? Eu já tomei banho hoje, mas... Não me importaria de ir de novo!
- Isso seria ótimo! Pro chuveiro!
Exatamente cinco meses depois desse dia, Thanos contou para o seu filho que ele teria um irmão ou irmã, porque sua mãe estava grávida.
- Por isso a barriga da mamãe tá crescendo tanto?
- Sim, filho... É por isso mesmo. Seja um bom irmão pro seu irmão ou irmã, tá certo?
- Mas ele vai chorar o tempo todo, não é? Vai ser chato...
- Eu sei, filho, isso acontece. É o único jeito dos bebês falarem pra gente que querem alguma coisa.
- Humph... Tá, eu vou tentar, papai.
- Era isso que eu queria ouvir, Fahl. Dá uma mãozinha pra sua mãe quando ela precisar, okay? A gente tentou achar uma escola pra você esse ano de novo, mas não conseguimos, então é provável que você fique em casa de novo.
- Ah, que pena... - Fahl fitou o chão, desapontado. - Eu achei que iria pra escola...
- Nós estamos dando o nosso melhor, filho. - Thanos pousou a mão sobre um dos ombros da criança - A gente pode pelo menos te ensinar a ler e escrever aqui em casa, o que acha? Não é difícil, eu prometo.
- Eba! Aí vou finalmente conseguir ler os quadrinhos do Superfur!
Thanos disse que sim, assentindo com a cabeça para reforçar a resposta.
- Tá bom papai. Prometo que vou ser um bom irmão!
Os meses seguintes parecem voar depois dessa conversa que o pai e o filho tiveram, e quando todos se deram conta, Salos já havia nascido. Fahl aproximou-se da mãe repousando na cama, que segurava o pequeno bebê em seu colo.
- Ele é azul igual você, mamãe, mas mais escuro. E ele não tem chifres, que estranho. E por que o cabelo dele é branco?
Kilina riu um pouco e disse que não sabia do por que, e que tudo aquilo era completamente normal. - Eles são frágeis, não são?
- É... parece que ele vai quebrar só de eu encostar! E ele é muito pequeno.
- Sua mãe tá certíssima, filho. Você também. E é por isso que esse bebêzinho precisa tanto de nosso amor e carinho pra que ele cresça e fique igual você. Forte.
Salos olhou para o irmão mais velho, e permaneceu assim por bastante tempo. Tanto os pais como Fahl ficaram em silêncio quando isso aconteceu, e o evento fez o menino se perguntar se o seu irmão conseguia entender o que ele dizia, mas... Não, isso era idiotice. Impossível.
"Ele é tão calmo. - disse Kilina, cortando o silêncio - Eu acho que não vai dar trabalho. Nem chorou quando nasceu...
- O Fahl era bem mais barulhento, mesmo.
- Hey! Eu ouvi isso! - Fahl reclamou, bravo.
O irmão mais velho se aproximou do mais novo, e Salos novamente fitou-o por bastante tempo. Fahl disse baixinho.
- Eu... Salos, eu vou brincar de outra coisa agora. Mas depois a gente brinca, tá? - ele terminou a frase e se retirou do quarto rapidamente. Os pais se perguntaram o que ele iria fazer, mas logo ouviram a televisão ligando e vozes distorcidas típicas de personagens de desenho animado.
- Você acha que eles vão se dar bem? - Kilina perguntou para Thanos. Ele não sabia responder aquilo naquele momento, mas o tempo trouxe a resposta para eles.
Bem até demais. Fahl agora tinha 10 anos, e Salos, 5. Ambos corriam pela casa inteira, frequentemente brincavam gritando bastante e fazendo tanto barulho que vez ou outra enlouquecia os pais - mas que ao mesmo tempo, passava o sentimento de que estava tudo bem. Todavia, frases como "Quer fazer silêncio que os vizinhos vão reclamar?!" ou ainda, "Vocês precisam aprender a brincar fazendo menos barulho!" eram frequentemente ouvidas dos pais.
Uma noite, durante o jantar, Kilina havia feito batatas cozidas, bem como carne para acompanhar a refeição. Ela serviu as crianças e logo começou a comer, com o marido ao seu lado.
Thanos fitou Salos com os olhos e o reprimiu.
- Eu realmente espero que você não esteja planejando em transformar essa colher em uma catapulta que lança batatas, igual da última vez.
- Mas... Como você sabia?!
- Tá escrito nos seus olhos!
- Mas o irmão perdeu a aposta!
- Que aposta? - Thanos indagou, erguendo uma sobrancelha.
- Nós fizemos uma corrida pra ver quem corria mais rápido e ele perdeu! Ele disse que se perdesse, eu poderia fazer isso sem vocês ficarem bravos comigo.
Fahl enterrou a mão em seu rosto, cobrindo-o, completamente desapontado com a atitude do irmão.
- Sério, Salos? Não acredito que você acreditou nisso!! - Fahl encerrou a frase com uma risada.
- Fahl, pare de ser maldoso com seu irmão! - Kilina o reprimiu, batendo com uma colher em seu braço.
- Ai! Mas...-
- Sem mais! Você sabe que ele sempre acredita em você!
Fahl cruzou os braços e fez beicinho, fechando seus olhos por alguns intantes. Ele se desculpou para o irmão e ficou irritado quando viu que Salos estava sorrindo enquanto os pais não olhavam. Ele não era tão inocente quanto eles pensavam, na realidade, estava bem longe disso.
A família terminou o jantar e foi para a sala, satisfeita, depois que todos colocaram a louça sobre a pia. Thanos ligou a televisão com o controle remoto e colocou no canal de notícias, reclamando logo em seguida que já eram 9 horas da noite e que o domingo estava no fim. Kilina pediu silêncio, pois não conseguia entender o que o repórter estava dizendo.
- O que o cara do jornal tá falando, irmão?
- Eu não sei, Salos. Mas parece alguma coisa importante...
- Caralho! Isso é grave! - Thanos exclamou, pousando as mãos sobre sua cabeça.
- Shhhh! Vai assustar as crianças assim, Thanos.
Fahl olhou para a mão de seu irmão antes de segurá-la e... Ele esqueceu o que estava pensando anteriormente, depois de ver as cicatrizes brancas e horríveis que tinha. A pior parte é que ele sabia que era culpado por causar aquele estrago nas mãos de seu irmão. Sua mente foi lentamente sendo invadida pelas memórias daquele triste dia.
Tudo parecia meio opaco e embassado, mas tudo foi tomando forma aos poucos e tudo ficou tão claro e transparente como a água. Ele tinha 8 anos, e seu irmão, tinha acabado de completar 3. A família tinha se dirigido a um dos dois parques públicos da cidade, para realizar um pique-nique. Era verão e estava quente, o lugar tinha uma grama de tonalidade verde, tão verde que Fahl nunca tinha visto igual. A família inteira estava sentada sobre uma toalha branca, sob a sombra fresca de uma árvore, Thanos tirando de dentro de uma sacola sanduíches de manteiga de amendoim e algumas outras guloseimas que haviam preparado em casa.
Como não tinha muito o que fazer, Fahl levantou-se e tomou distância de sua família, ficando a mais ou menos 20 metros de distância. Ele praticaria como usar o seu fogo, embora sua mãe sempre falasse que não era bom fazer aquele tipo de coisa em lugares públicos. O garoto não ligava muito, ele sabia o que estava fazendo - ou pelo menos achava que sabia.
Depois de fazer algumas bolas de fogo do tamanho de tomates e jogá-las para longe, em direção a uma clareira e vê-las sumir no ar, uma idéia mirabolante passou por sua mente. Aquilo seria a coisa mais incrível e mais bonita de todas se ele fizesse do jeito certo, algo grandioso e único. Ele criou novamente duas bolas de fogo em ambas as mãos e ergueu os braços, com um sorriso confiante e quase arrogante. Ele começou a girar seu corpo lentamente, mas foi aumentando o ritmo, as chamas dançando em sua mão com o vento produzido pelo movimento. Quando atingiu a velocidade máxima que conseguiu, ele gritou:
- Lá vai!
E ele se abaixou, abrindo os braços em um ângulo de 90 graus, criando um anel de fogo que se expandia radialmente em relação ao seu corpo, rapidamente envolvendo o seu arredor. No entanto, assim que o anel de fogo foi criado, seus olhos pousaram em Salos, que estava no máximo a alguns passos de distância dele, maravilhado com os malabarismos do irmão mais velho. Seus olhos brilhavam de alegria. O anel de fogo foi avançando com velocidade para perto de seu rosto e ele, numa tentativa de conter o calor que começava a machucar, afastou o rosto e estendeu as mãos para frente, protegendo-o. As chamas consumiram as suas mãos, antes de desaparecerem. O irmão mais velho se ajoelhou, sentindo-se esmagado pelo sentimento de culpa.
- NÃÃÃÃO! SALOS! POR QUE FICOU AÍ?!
Tudo pareceu se mover em câmera lenta daí em diante, sua mente estava confusa e negava de qualquer modo aceitar que ele tinha feito aquilo. Seu irmão chorava muito, tomado pela dor, com as mãos em carne viva e sem nenhuma pele cobrindo seus músculos. Thanos falou algum palavrão e correu na direção dos dois, junto de Kilina, mas Fahl não ouviu, ou se ouviu, não absorveu o que havia sido dito. O que ele tinha feito? Por que isso teve de acontecer? Não era justo... Ainda mais com seu irmão...
As lágrimas que começaram a brotar nos olhos do dragão rapidamente rolaram para baixo de seu rosto, compartilhando do sentimento de seu irmão. Ele não podia fazer nada para ajudar, somente olhar seu irmão chorando e os pais correndo rapidamente para a toalha usada no pique-nique, empacotando tudo novamente em um ritmo frenético. Sua mãe havia dito que ele era especial, que eletinha um dom, mas aquilo não era um dom. Era uma maldição. Só servia para causar dor aos outros. Ele precisava impedir que isso acontecesse uma segunda vez, até mesmo se fosse necessário nunca mais usar seu talento novamente, ou melhor dizendo, sua maldição.
- Tá tudo bem, irmão? Você tá me olhando estranho...
Fahl recuperou seus sentidos, e percebeu que estava de volta na sala de estar novamente. Felizmente, ele não teria de viver esses momentos ruins novamente.
- Ah... Não é nada, Salos. Ver esse jornal tá meio chato, quer ir brincar no quarto? - ele encerrou a pergunta, fechando um dos olhos e mostrando a ponta de sua língua, esboçando um sorriso bobo.
Capítulo 1
FIM
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